quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Ida ao purgatório

Via-se gente. Muita gente. Uma velha vendendo pipoca, um mendigo pedindo dinheiro, duas moças com blusas decotadas falando sobre assuntos banais. Por mais que ela andasse. Sim, ela andava. Andava pouco, mas andava. Não se acostumara a andar de ônibus.
 Acenou uma vez, mas não atenderam-lhe o pedido. Caminhou, vagarosamente, rumo à parada. Sentia medo, calor.  Sentia um homem olhando pra sua bolsa. Parou. Pensou uma. Pensou duas. Recuou os passos. Pensou mais uma vez, e assim, continuou sua caminhada. Agora em passos mais rápidos. Era a primeira. Não! Era uma das primeiras da fila, mas ainda assim, subiu os degraus sendo empurrada pelos cotovelos de uma mulher que também estava sendo empurrada. Foi para a direita, não achou lugar. Foi para a esquerda, não achou lugar. Ela ficou em pé. Apoiou suas costas em uma das pilastras do ônibus lotado. Estava desconfortável. A bolsa pesava em seus ombros e os arames do caderno machucavam suas mãos. Uma senhora rezando o terço. Uma negra de olhos espertos.
De repente, um ato de caridade. Uma moça de bochechas grandes, lábios carnudos e cabelos crespos preso em um nó estendeu-lhe os braços. A viajante entendeu o recado e entregou o seu caderno, agradecidamente, à moça. A mulher insistiu mais, porém ela não deu a bolsa. Não queria abusar da bondade.
  Não sabia onde se encontrava, mas sabia o seu destino. Assim, ela deixou-se seguir.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Onírico


Acordei ainda meio embriagada do sonho da noite anterior. Apalpei o criado mudo que morava ao lado de minha cama, coloquei os óculos, levantei-me ainda tonta e com a visão meio turva, cambaleei até encontrar as pantufas amarelas do Bob Esponja e caminhei em direção à sala.
A casa, como sempre, cheia de visitas e gente faladeira. Ouvia-se um bom dia, um olá, outros comentando sobre meus maus trapos e indecência. Minha mãe reclamava a desordem e me mandava vestir roupas mais apropriadas. Ainda estava de pijama e meio acordada. Outra parte de mim havia ficado na noite anterior.
Sentei-me a mesa, talei um gole quente e amargo de café goela adentro. Comi as migalhas restadas de pães, mastiguei algo macio e sem identificação, ainda assim, mastigava e engolia. O barulho da casa misturava-se com o ruir de seus pensamentos. Levantou-se. Foi chamada de zumbi. Não ligava. Fingia não dar ouvidos.
Voltou ao quarto, tirou as pantufas amarelas do bob esponja, colocou os óculos no criado mudo que morava ao lado de sua cama e deitou-se.
O sonho voltava em mim. Tudo o que queria era apagar a noite passada.

sábado, 7 de maio de 2011

Ebriedade

Era um dia, aparentemente, feliz. O sol lançava seus raios que emanavam amor para todas as direções. Você sorria. Eu estava feliz. Eu me perdia nos seus belos dentes e me afogava nos seus cabelos ondulados caídos sobre os ombros fortes. E você sempre segurando a minha mão. Estávamos à beira do mar onde era possível sentir, nos lábios, a salinidade quando o Netuno, furioso, mandava uma onda que encontrava as pedras e nos molhava.
Eu sempre soube que o teu coração não me pertencia, mas sempre gostei de brincar de “faz de conta”.  Eu não imaginava que, assim, fosse me ferir. Foi quando, então, você disse que seria melhor cessarmos.
Uma grande, cinza e pesada nuvem cobrira o céu naquele instante. As águas invadiam, cada vez mais furiosas, as pedras. Chovia sangue e eu não sentia mais meu corpo. Muitas pessoas me empurravam e eu já não tinha mais controle. Fui me deixando levar por toda a corrente. E você se deliciava com o sangue que caía do céu, caía da minha boca. Tuas mãos ainda nas minhas, soltavam-se devagar. Dolorosamente devagar. E eu quase não o via mais. Você era puxado por outra corrente mais forte e contrária à minha.
Você sorria. Não compreendia como tudo poderia está completamente bem. Encontrávamos no caos.
Você chorava. Eu sofria. Você sorria. Eu sofria.
Hoje, talvez, o que mais nos separou foi a proximidade.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Embaralho

Melhor seria que, com o tempo, nós nos distanciássemos das pessoas que amamos. Talvez assim, nós não soframos ao vê-las partir ou morrer.
Sofrimento é uma ferida que dói gostoso, mas o sentimento de perda é a pior coisa que se possa haver. Confesso eu, que não sei lidar com a perda.
É tão estranho... Não devemos nos apegar às pessoas para não sofrer... Mas e aí, como se vive?(...)  Viver e sofrer são amigos traiçoeiros que andam lado a lado. Se você sofre, é sinal de que você ainda está vivo!
Não gosto de me contentar com o pouco. Nem tudo em excesso é veneno... Enquanto você pensa, nem tudo é em vão... É?